A vida, a morte e os ciclos vitais
Se há coisa que tenho aprendido nos últimos anos, é que a mudança e a transformação são as únicas coisas que temos como garantia. Quando não estamos conscientes e conectados com os ciclos, estagnamos e bloqueamos o fluxo natural da energia da vida. Por medo e por condicionamento, ficamos presos a ideias, comportamentos, hábitos, situações, relações, empregos, etc. que estão velhos e caducados, mas que preferimos manter por uma sensação de segurança.
O mergulho no escuro do desconhecido causa medo, ansiedade e excitação. E para que haja renascimento, esse salto é inevitável. Quando não vivemos os ciclos, quando escolhemos resistir e estagnar (sim, porque a não acção é uma escolha, e somos sempre responsáveis pela nossa vida quer tenhamos consciência disso ou não) a doença física, psíquica ou emocional, ou outras situações de vida, surgem como convites ao movimento iniciático. É a alma a gritar e a chamar a atenção para algo que está a bloquear a vida.
Infelizmente, a sociedade actual não está ligada aos ciclos, nem ensina como fazê-lo. Promove a falsa segurança através da máquina de consumo que é alimentada por mecânicos escravos que não se renovam, nem se reinventam. Que não ousam saltar para o buraco desconhecido por medo. Tal movimento implicaria tomada de consciência e tomada de responsabilidade pela própria vida.
Enquanto sociedade e cultura, estamos a perder os rituais de passagem, tão importantes nas tomadas de consciência. A nossa vida diária é feita de rituais. Ritual para acordar, ritual para comer, ritual para deitar etc. Os rituais têm a função de nos ajudar a entrar em certos estados de consciência, e é por isso, que por exemplo quando meditamos ou praticamos yoga criamos certos rituais, para dar a informação à nossa mente que nos estamos a preparar para entrar em certos estados de consciência.
As tribos e as civilizações sempre tiveram os chamados rituais de passagem, que têm exactamente a função de chamar a atenção, a consciência, para um novo estado de Ser. Nos dias de hoje estamos a perder esses rituais, as pessoas passam pelas experiências e pelos momentos, e nem tomam consciência do que se está a passar, da mudança interna que isso está a provocar, de como certos acontecimentos os fizeram, obrigatoriamente, morrer e renascer. Na maioria dos casos, prescreve-se umas drogas para atenuar os sintomas desse luto, dessa morte, ou se consome para distrair das ondas internas que tais situações provocam. A entrada para a escola, a adolescência, a ida para a universidade, a saída de um filho de casa, o matrimónio, a chegada de um filho, o divórcio, a reforma ou a morte, são apenas algumas das inúmeras situações que implicam o ciclo de vida-morte-renascimento.
Na grande maioria das vezes, esses momentos são vividos com fuga em relação ao mundo interno, não se dá espaço para que se viva o que existe internamente. Facilmente se ouvem frases como “agora é seguir com a vida”, “tens de te distrair”, “com o tempo isso passa”. Frases ditas com a melhor das intenções, mas que bloqueiam a energia da vida, pois aquilo que é sentido não pode ser vivido, nem aceite, e que por tanto é reprimido. Como não é vivido, também não pode morrer, e logo o ciclo de vida – morte – renascimento fica comprometido, que é como quem diz, a vida fica comprometida! O ser humano ocidental actual não está minimamente preparado para as mudanças inevitáveis que a vida vai trazer, e por isso não é de estranhar que frequentemente surjam episódios de depressão, ou até surtos psicóticos, depois de alguns destes acontecimentos naturais da vida.
Criam-se fantasmas que povoam o inconsciente e nos consomem a energia, tudo porque o que foi experimentado, não foi vivido, não foi compreendido, nem integrado. A verdadeira vivência das situações requer presença, envolvimento emocional, requer envolvimento do mundo interno, e isto requer tempo e energia da nossa parte, e a sociedade máquina produtiva consumista que vivemos não dá espaço, nem tempo para que tal aconteça. Tomar uma pílula mágica é muito mais eficaz e produtivo.
O segredo é a total observação e aceitação da experiência. É estar presente com aquilo que o momento tem para nós. É viver o mar de sentimentos e emoções que cada um experimenta á sua maneira, sem julgar, sem criticar, sem querer mudar a experiência. É saber estar no silêncio com aquilo que existe, bem como partilhar num ambiente sagrado e de amor aquilo que se vive. Só assim virá a verdadeira integração da experiência, só assim o luto acontecerá e só assim, o desabrochar para uma nova maneira de estar e de Ser. ❤
Sugestões para criar rituais de passagem:
- Encontrar um lugar sagrado na natureza
- Meditar, reflectir, escrever
- Partilhar com pessoas de confiança as vivências internas e externas
- Pesquisar e discutir sobre os ritos de passagem de outras culturas
- Conversar com as pessoas mais velhas sobre os ciclos da vida, ouvir as suas experiências e sabedorias
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